ARTIGO: A QUESTÃO AMBIENTAL NÃO EXISTE!
A QUESTÃO AMBIENTAL NÃO EXISTE!
Edson Luiz Peters1
Há muitos anos, quando passei a atuar como Promotor de Justiça do Meio Ambiente no interior do Paraná, tinha a ilusão típica de um jovem advogado que acha que tudo se resolve ajuizando ações e instaurando processos judiciais.
Essa miopia jurídica e social durou alguns anos, e até alcancei alguns resultados responsabilizando uns e outros infratores, quando então comecei me dar conta que o mais importante para a sociedade não é a punição, mas sim a preservação e a recuperação dos estragos, que tecnicamente chamamos de danos ambientais.
Fui compreendendo que a questão é de educação, antes de mais nada, pois grande parte das infrações e crimes decorrem da ignorância e falta de consciência dos que cometem danos.
Constatei um déficit de cidadania resultante do analfabetismo político e da falta de educação ambiental na infância e adolescência, que se evidencia no egoísmo e ganância que se instalam nas mentes desprotegidas e que se repete num ciclo vicioso.
Não há uma questão ambiental isolada de outras, ao contrário, a poluição é um resultado e não uma causa. A poluição é um pensamento que nasce na mente, e aí deve ser combatida tenazmente, para que não crie raízes que afetem a sensibilidade humana.
Então, o problema não é o meio ambiente, o problema somos nós que ainda não aprendemos que também somos o meio ambiente e que no embate contra a natureza só tem um perdedor: você, eu, nós, todos.
No fundo é uma questão de ética, isto é, de falta de reais valores que se contraponham ao consumismo desenfreado, alimentado por um modelo de produção e mercado guiados em grande parte pelo crescimento infindável e por
faturamentos nunca grandes o suficiente. Faz parte dessa máquina insustentável o Estado com sua voracidade fiscal insaciável.
Quem paga essa conta pesada é, por um lado, o consumidor que vê embutido no preço a carga tributária e a margem de lucro e, por outro lado, o meio ambiente que vai se degradando e os recursos naturais que vão se esgotando.
Os consumidores ao menos podem reagir exercendo seus direitos e seu poder escolhendo produtos e serviços oferecidos no mercado por fornecedores comprometidos com o equilíbrio ambiental e a sustentabilidade do planeta. Mas a Natureza parece sofrer calada, sem voz.
Uma vez me perguntaram: o que é ser Promotor de Justiça? E me recordo que respondi na seguinte linha de raciocínio: promover a Justiça é colaborar para que a riqueza do Brasil, que é um país rico sem dúvida alguma, se converta na riqueza da Nação, que ainda é pobre quando pensamos na qualidade dos serviços públicos e na deficiente e defasada infraestrutura oferecidos pelo Estado brasileiro.
Observando as desigualdades e os contrastes sociais e econômicos no Brasil, não é difícil perceber a relação cruzada de causa e efeito entre poluição e pobreza, o que permite deduzir que a pobreza continua sendo nosso maior problema ambiental.
Assim, a questão também é de Justiça social, na medida em que as riquezas naturais pertencem a todos e à sociedade e, por vezes, são apropriadas e geram lucros para uma minoria que reúne capital e condições de explorar os recursos, e que quando inconscientes da sua responsabilidade social, sequer pagam salários dignos para manutenção básica das famílias menos privilegiadas, tão pouco pagam impostos regularmente para garantir os serviços públicos essenciais.
E se trata também de uma ética geracional, pois se por um prisma herdamos o planeta, o conhecimento, as invenções e toda a tecnologia desenvolvida por nossos antepassados, por outro viés somos responsáveis por garantir condições de vida para as gerações futuras.
Não se pode negar a natureza política da questão ambiental, seja no sentido grego de administrar os interesses públicos, seja no sentido moderno de permitir a participação da sociedade nas decisões importantes sobre como usar os recursos naturais e como se relacionar economicamente com a natureza, seja na partilha isonômica dos benefícios gerados pelos tantos serviços ecossistêmicos.
Cabe a nós, brasileiros, por exemplo, decidir o que deve ser feito ou não na região amazônica ou como devem ser explorados nossos recursos minerais.
Devemos agir politicamente, seja na vida individual, decidindo o que compramos e como consumimos e o que fazemos com nosso lixo, seja na vida coletiva, apoiando iniciativas e projetos ambientais, e escolhendo governantes e exigindo que administrem com inteligência e sustentabilidade nosso patrimônio e valores ambientais.
Só por último é que devemos tratar os problemas ambientais como uma questão de lei, de fiscalização e de polícia, quando nada mais resolve e só resta o caminho da responsabilização e punição. Essa é a pior resposta que o Estado pode dar, a menos eficaz, pois não devolve nada à sociedade e geralmente não ressocializa e nem educa o infrator ambiental, que segue sem compreender o valor da vida.
Então vale perguntar: qual é mesmo a questão ambiental?
1 Ex Promotor de Justiça de Meio Ambiente de Curitiba, Advogado, Escritor e Sócio-Diretor da AmbienteJuris Soluções Ambientais.