OPINIÃO - Um ataque ao Ministério Público
Uma série de golpes tem sido deferidos contra a independência e autonomia do Ministério Público (MP) brasileiro. São diversas propostas que modificam importantes legislações que interferem diretamente na forma de atuação e na missão do MP que estão sendo aprovadas no Congresso em regime de urgência. Contudo, ao mirarem no MP acabam nocauteando também a democracia e a população brasileira que tem no promotor de justiça o seu representante, determinado pela Constituição para combater à corrupção e a impunidade.
Isto ocorre num momento de polarização política em que o debate foi politizado e temas tão sensíveis são aprovados sem que as pessoas possam se aprofundar no entendimento de como essas decisões terão implicações em suas vidas. Assim, é que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 05/2021, conhecida como PEC da Mordaça, pretende ampliar o poder de influência do Congresso no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão que exerce o papel de fiscalizador das atividades do Ministério Público e de seus membros.
A PEC altera a composição do CNMP sobre a justificativa de que o órgão pune pouco os membros do MP. O argumento é falho e passível de ser confirmado por números que já foram amplamente divulgados. O objetivo é um só: tolher a independência de promotores e promotoras do MP, possibilitando ao Conselho o controle da atividade fim do MP por meio de anulação de atos de promotores e procuradores. A pergunta que devemos fazer é a quem interessa calar o MP?
Podem ocorrer muitos prejuízos que vão refletir na nossa vida como democracia e como Estado de Direito, em que a responsabilidade de quem viola a lei tem que ser prevista e efetivamente levada a cabo pelas instituições que têm essa obrigação. Em outras palavras, a referida PEC inviabilizará a própria existência do MP abrindo espaço para o aumento da insegurança jurídica e a impunidade, já que a transgressão às leis está proporcionalmente relacionada ao risco de punição.
Outra pancada que teremos que absorver é a PL nº. 2505/2021 que revisa a Lei de Improbidade Administrativa que caminha para sanção presidencial. A Constituição brasileira é muito clara na proteção do patrimônio público e na determinação de responsabilização da improbidade administrativa de gestores da coisa pública. O instrumento para o combate à corrupção e a impunidade fica, por determinação também da Constituição, por conta do Ministério Público. É seu papel constitucional. É nosso papel defender uma legislação que esteja de acordo com esse princípio.
Um dos pontos críticos do PL diz respeito a violação de princípios que não mais poderão ser motivo de improbidade, no mínimo, será muito difícil que um gestor seja responsabilizado por violação de princípios como moralidade administrativa, impessoalidade ou eficiência.
Da mesma forma, agentes públicos não poderão ser responsabilizados se não houver a confirmação de dolo (intenção). Danos causados por imprudência, imperícia ou negligência não poderão ser configurados como improbidade, a não ser que se consiga comprovar a vontade livre e consciente do agente público de alcançar o resultado ilícito.
Temos que ter instituições com mecanismos que tornem eficaz o cumprimento desse encargo de fiscalização para que a sanção seja efetiva na sua prevenção e haja a punição como consequências pelos atos de improbidade sendo proporcionais ao próprio ato. Violação tem que ter repercussão de forma prática e a Lei de Improbidade não pode fugir disso.
Em outro ponto, o projeto institucionaliza a prática do nepotismo, trazendo novamente para a nossa convivência um comportamento que tinha sido abolido justamente por ser passível de responsabilização. Tudo acontece, justamente no momento em que a credibilidade das instituições públicas é questionada pela população que se mostra cada vez mais desacreditada em relação aos nossos políticos.
O Brasil é um país extenso com muitos pequenos municípios em que somente o Ministério Público dá amparo para que os atos de quem está no exercício da função pública possam ser refreados. A mudança proposta pela Lei de Improbidade Administrativa tem bastante popularidade entre os gestores públicos, principalmente os municipais. Se aplicada a nova Lei de Improbidade levará todas as divergências aos tribunais, judicializando o tema.
A situação não para por aí. Temos ainda, o projeto que cria o novo Código Eleitoral (PL 112/21). Além da quarentena de quatro anos imposta a Juízes, membros do Ministério Público e integrantes de forças de segurança para poderem disputar as eleições, temos diversos artigos que nos preocupam. A possibilidade de candidatos “ficha-suja” serem eleitos e a restrição de investigação de abusos, condutas ilícitas e corrupção. Os crimes eleitorais como boca de urna e o transporte de eleitores no dia da eleição serão punidos apenas com multas. E tantos outros que não puderam ser analisados com profundidade na urgência que tiveram nossos congressistas em sua aprovação.
As inconformidades que tais medidas têm causado aos Ministérios Públicos brasileiros também serão inconformidades da sociedade brasileira quando perceberem o impacto que essas mudanças terão em suas vidas.
André Tiago Pasternak Glitz
Promotor de Justiça e presidente da Associação Paranaense do Ministério Público (APMP)